Oi Larisa
Como vão as coisas por aí? Vez por outra dou uma passada no blog para conferir e matar as saudades. Mas fazia tempo que não entrava e hoje achei tão divertido ver as fotos da colônia de férias... de verão!Há tempos estou querendo te escrever, e vendo as fotos então não resisti a te mandar também umas daqui, pelo contraste...
Semana passada nevou aqui em Marseille de um jeito que não nevava há uns 20 anos. Nos sentimos presenteados, bem no momento em que se aproxima nossa partida. As quatro primeiras fotos são de nossa cidade com neve: nossa rua; o boneco de neve feito no nosso jardim; o Parc Longchamp, pertinho de casa; Guile e eu aproveitando pra descer a lombra de trenó. Uma novidade que queria te contar faz tempo é que Guile foi sorteado para a primeira série no Colégio de Aplicação de Porto Alegre. Ficamos todos bem contentes. Já está matriculado e tudo. Então foi irresistível te mandar a foto dele posando com a camiseta do colégio, que meus pais trouxeram quando vieram nos visitar.
É legal que, mesmo que tenham sido apenas alguns meses, a experiência no Espaço Múltiplo o marcou muito, e até hoje ele lembra com muito carinho de ti e dos amigos daí. Está super contente com a nova escola, mas sempre fala que vai querer passar por aí às vezes para estar com vocês. Tenho certeza de que a experiência nesse espaço foi determinante para que ele tivesse recursos para a adaptação na escola daqui, que no começo não foi nada fácil.
A parte mais difícil da adaptação nem foi a língua. Esta, após uma semana de colônia de férias antes da escola, ele já estava falando. Hoje é realmente bilíngue, lendo e começando a escrever em português e francês. O mais difícil foi a rigidez da disciplina francesa. Por um lado, acho que foi até bom pro Guile ter as regras muito claras e nenhum espaço de dúvida, de transgressão. Acho que isso acabou dando uma segurança para ele internalizar as regras, o que, deves lembrar, estava bem difícil no período em que saímos daí. Mas por outro lado, foi bem difícil para ele (e para mim) aceitar essa escola que tem como objetivo formar pequenos adultos, no sentido de enquadrá-los nesse mundo. Até porque o mundo francês é muito diferente do brasileiro.Com todas as diferenças culturais, foi muito duro pro Guile no início se sentir o diferente, o estranho, e ainda por cima sem dominar bem a língua e, portanto, sem poder fazer uso de um de seus recursos principais na relação com os outros: falar, argumentar.
Nesse processo de compreender como as coisas funcionavam aqui, de se situar num novo grupo, acreditamos, Patrick e eu, que a experiência no Espaço Múltiplo foi fundamental pro Guile, como uma referência interna de que ele podia ser bem aceito num grupo do jeito que ele é. Hoje, ele simplesmente adora a escola, e chega a chorar se acontece alguma coisa que o impede de ir. Claro que ele segue testando os limites, afinal conformado é uma coisa que o Guile não é né.Mas daí acho que falta um pouco para a escola o jogo de cintura para inventar outros recursos de impor a disciplina que não a repressão, o enquadramento nas regras.Depois da experiência com vocês, acho que nós também ficamos mais exigentes. Não posso deixar de te dizer que acho que a pedagogia do Espaço Múltiplo está anos-luz à frente. Certo, a escola do Guile aqui é uma escola de bairro, convencional, pública (o padrão na França, escola privada é bem mais rara que no Brasil).
E a educação atravessa um momento muito difícil aqui, com o atual presidente. Falta de recursos, de pessoal, sucateamento do ensino público, reforma curricular eliminando desde a escola fundamental as matérias mais reflexivas (corpo e expressividade, então, nem se fala, que isso é absolutamente supérfluo). Tudo o que a gente viu acontecer no Brasil há 40 anos, e que deu no que deu. Uma tristeza. Uma reforma que, é claro, não tem nenhuma escuta para os profissionais da área de educação/pedagogia, parte única e exclusivamente do governo. Muitas greves e mobilizações dos professores.
Enfim, acho que não justifica, mas serve para contextualizar um pouco e te dar um breve relato do panorama francês. De resto, estamos voltando no final de março. Se quiseres que eu veja ou leve alguma coisa especial daqui, é só falar.Somos realmente muito agradecidos por termos encontrado esse Espaço em nossas vidas, num momento tão conturbado quanto foi aquele próximo da partida.Foi providencial, fundamental, muito especial mesmo. Espero que 2009 traga para ti e os teus tudo o que desejarem, e que o nosso Espaço Múltiplo, esse lugar tão legal, siga crescendo e amadurecendo sempre.Um grande abraço do outro lado do mar,
Heloisa Gravina
PS: se vocês mandaram a carta pro Guile, não recebemos nada... (se não mandaram tudo bem, só fiquei com medo de ter se extraviado pelo meio do caminho e vocês estarem esperando resposta)
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